O PL 1179/2020 e as relação jurídicas de direito privado em tempos de pandemia
O PL 1179/2020 e as relação jurídicas de direito privado em tempos de pandemia

O PL 1179/2020 e as relação jurídicas de direito privado em tempos de pandemia

29/05/20

A fim de regular as relações jurídicas de Direito Privado, foi proposto pelo senador Antônio Anastasia (PSD/MG) no Senado Federal o Projeto de Lei nº. 1179/2020 instituindo normas de caráter transitório e emergencial em virtude da pandemia do coronavírus.

Inicialmente, estipulou-se a data de 20 de março de 2020 como marco temporal para os eventos derivados da pandemia do coronavírus, data esta da publicação do Decreto Legislativo nº 6, o qual instituiu o estado de calamidade pública em âmbito nacional.

A primeira medida adotada foi o impedimento – caso o prazo prescricional ainda não tenha se iniciado – ou a suspensão – caso o prazo prescricional já tenha se iniciado –, de acordo com o caso concreto, dos prazos prescricionais da data de publicação da Lei até o dia 30 de outubro de 2020.

Neste ponto, vale ressaltar que as hipóteses específicas de impedimento, suspensão ou interrupções dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico prevalecem sobre o PL.

Ainda neste tópico, estipulou-se que este mesmo prazo de prescrição se aplica igualmente à decadência, em virtude da ressalva prevista no artigo 207 do Código Civil.

Outro tópico abordado pelo PL prevê que as associações, sociedades e fundações devem observar as restrições para a realização de reuniões e assembleias presenciais até o dia 30 de outubro de 2020, sempre se atentando para as determinações sanitárias das autoridades locais.

Além disso, as assembleias gerais poderão ser realizadas por meios eletrônicos até o dia 30 de outubro de 2020, independente de qualquer previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica em questão. Porém, para que isto ocorra, é necessário assegurar a identificação do participante e a segurança do voto por meio eletrônico para que sua participação produza efeitos legais de uma assinatura presencial.

No âmbito contratual, restou reconhecido que os efeitos da pandemia se enquadram no conceito de caso fortuito ou de força maior, porém que as consequências nas execuções dos contratos não possuem efeito retroativo, ou seja, não se aplicam às obrigações vencidas antes da pandemia.

Ainda, não se considera fato imprevisível para fins de revisão ou resolução contratual por onerosidade excessiva o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou substituição do padrão monetário, garantindo, desta forma, o equilíbrio nas relações contratuais.

Ao tratar das relações de consumo, o PL suspendeu até o dia 30 de outubro de 2020 o direito de arrependimento de 7 (sete) dias previsto no Código de Defesa do Consumidor das compras realizadas via delivery de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos.

No tocante às locações de imóveis urbanos, o PL determina que não serão concedidas liminares, até o dia 30 de outubro de 2020, para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo em especificamente seis dos nove casos previstos no artigo 59 da Lei de Locações (Lei 8.245/91), quais sejam: descumprimento de acordo de rescisão; rescisão do contrato de trabalho; permanência de sublocatário no imóvel quando a locação principal for rescindida; não apresentação de nova garantia do locatário para o locador; término da locação não residencial e demanda proposta em até 30 (trinta) dias do termo ou do cumprimento de notificação comunicando o intento da retomada; e falta de pagamento de aluguel e de acessórios não havendo garantias no contrato.

Porém, a não concessão da liminar se aplica apenas para ações de despejo ajuizadas a partir de 20 de março de 2020.

Em relação à usucapião, restou estabelecido que os prazos para aquisição da propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, ficarão suspensos até 30 de outubro de 2020.

Para regulamentar o condomínio edilício, foi conferido ao síndico, em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, os poderes de restringir a utilização das áreas comuns, reuniões, festividades e uso dos abrigos de veículos por terceiros, respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos.

No entanto, tais restrições não serão aplicadas em caso de atendimento médico, obras de natureza estrutural ou para realização de benfeitorias necessárias.

No tocante à assembleia condominial e sua votação, abriu-se a possibilidade de ocorrer, em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, por meios virtuais, de forma que a manifestação de vontade de cada condômino será equiparada à sua assinatura presencial. Na impossibilidade de realização da assembleia na forma virtual, os mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020 serão prorrogados até 30 de outubro de 2020.

Referidas medidas não isentam o síndico da obrigatoriedade de prestação de contas regular de seus atos de administração, sendo que, em caso de inércia, este será destituído.

Sobre o regime concorrencial, o PL previu a possibilidade de prática de atos, de 20 de março de 2020 a 30 de outubro de 2020, ou enquanto durar o estado de calamidade pública, que, em tempos normais, caracterizaria infração de ordem econômica, quais sejam: venda de mercadoria ou prestação de serviços injustificadamente abaixo do preço de custo; cessação parcial ou totalmente das atividades da empresa sem justa causa comprovada, e atos de concentração entre 2 (duas) ou mais empresas que celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture, sem a obrigatoriedade de notificação perante o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

Em relação ao direito de família e sucessões, a prisão civil por dívida alimentícia deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo das respectivas obrigações, até 30 de outubro de 2020.

Além disso, para sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020, o prazo de 2 (dois) para instauração do processo de inventário e partilha terá seu termo inicial apenas em 30 de outubro de 2020. Da mesma forma, o prazo de 12 (doze) meses para ultimação do processo de inventário e partilha, caso iniciado antes de 1º de fevereiro de 2020, ficará suspenso até 30 de outubro de 2020.

O último assunto tratado no projeto diz respeito às diretrizes da política nacional de mobilidade urbana, prevendo, neste sentido, uma redução da porcentagem, até 30 de outubro de 2020, de ao menos 15% do valor retido das viagens para as empresas que atuem no transporte remunerado privado individual, inclusive por aplicativos, garantindo o repasse desses valores aos motoristas.

Ainda, restou estabelecida a proibição de aumento dos preços das viagens ao usuário do serviço, em razão dessa diminuição da porcentagem do valor retido.

Da mesma forma, a redução de 15% da porcentagem retira também se aplica aos serviços delivery, incluindo serviços de entrega por aplicativo ou outra plataforma de comunicação em rede, de comidas, alimentos, remédios e congêneres, serviços e outorga de táxi, esta última com a finalidade de reduzir em ao menos 15% todas e quaisquer taxas, cobranças, alugueis ou congêneres incidentes sobre o serviço.

Já nas disposições finais, entendeu-se que caberá ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran) a edição de normas, enquanto perdurar o estado de calamidade pública, que prevejam medidas excepcionais de flexibilização do cumprimento das normas que estabelecem a restrição de somente transitar pelas vias terrestres o veículo cujo peso e dimensões atenderem aos limites estabelecidos pelo CONTRAN, bem como a restrição de trânsito de veículo ou combinação de veículos com lotação máxima de passageiros, com peso bruto total ou com peso por eixo, superior ao fixado pelo fabricante, ou extrapolação da capacidade máxima de tração da unidade tratora.

Ainda nas disposições finais, consta a prorrogação da data de vigência da Lei nº 13.709/2018, Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), passando aos artigos 52 a 54 a vigorar em 1º de agosto de 2021 e os demais artigos em 1º de janeiro de 2021.

Por fim, vale ressaltar que o PL 1179/2020 já foi aprovado pelo Senado Federal e está sendo examinado pela Câmara dos Deputados. Assim, para que se torne lei, a proposta precisa ser aprovada também pela Câmara, bem como sancionada pelo Presidente da República.

 

 

Bruna Panontin Gouvêa Kose

E-mail: bruna.gouvea@brasilsalomão.com.br

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