Apuração de haveres na dissolução parcial da sociedade e metodologias aplicáveis
Na constituição de uma sociedade, os sócios representam o seu cerne e são o que a estrutura, de modo que qualquer alteração na composição societária gera impactos relevantes para os sócios e, principalmente, para a sociedade.
Nesse contexto, diante de uma situação de dissolução parcial, isto é, a retirada, falecimento ou exclusão de um dos sócios, verifica-se que, quando há uma lacuna quanto à metodologia adequada para a apuração de haveres, ou seja, qual critério deveria ser adotado para fixar o valor a ser pago ao sócio retirante, seja pela incompletude da redação contratual, seja pela remissão aos termos do Código Civil, os sócios debatem sobre a aplicação dos dois métodos mais comuns: o Balanço de Determinação e o Fluxo de Caixa Descontado.
De forma sintetizada, com a dissolução parcial da sociedade, o sócio retirante, excluído ou os herdeiros do sócio falecido fazem jus ao recebimento da quota-parte (haveres) que lhe pertence, correspondente ao valor que lhe cabe no patrimônio líquido da empresa, a ser apurado na forma do contrato social ou da legislação vigente. Tal apuração de valores constitui, portanto, a concretização de seu direito patrimonial, sendo de fundamental importância que as regras de avaliação das quotas sociais estejam previstas no contrato social, de forma expressa, clara e completa.
Caso haja lacunas, omissões ou imprecisões quanto à metodologia de apuração dos haveres, caberá ao juiz fixá-la e designar a realização de perícia contábil, cuja função será elaborar o balanço de apuração de haveres, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos.
Embora existam diversos métodos reconhecidos para a apuração de haveres, os quais podem ser aplicados de forma isolada ou complementar, o Balanço de Determinação e o Fluxo de Caixa Descontados, são os mais utilizados.
O Balanço de Determinação evita o enriquecimento sem causa, uma vez que não contempla a perspectiva de recebimento de lucros futuros, aos quais o sócio desligado não mais contribuirá nem participará. Ao mesmo tempo, o método reconhece a valorização real da empresa ao longo do período em que o sócio esteve presente, assegurando que o valor inicialmente investido por ele seja atualizado conforme o crescimento patrimonial efetivo ocorrido durante sua participação societária.
No âmbito dessa metodologia, dois princípios fundamentais são observados para a avaliação dos ativos e passivos da sociedade: o Valor de Mercado, que representa o preço estimado pelo qual determinado bem poderia ser negociado em condições normais de mercado; e o Valor Presente, que consiste na atualização dos fluxos financeiros futuros esperados, descontados a uma taxa que reflita adequadamente o risco e o custo de oportunidade do capital.
O outro método comumente utilizado para essa apuração é o do fluxo de caixa descontado (FCD), que se propõe a mensurar a capacidade de geração futura de riqueza da empresa. A essência dessa metodologia consiste em projetar os fluxos de caixa operacionais esperados para os períodos futuros e trazê-los a valor presente, utilizando-se de uma taxa de desconto apropriada, que reflita o risco inerente ao negócio e o custo de oportunidade do capital investido.
Embora esse método possa resultar em uma valorização mais expressiva da participação do sócio retirante, ao considerar ganhos futuros, ele não se revela vantajoso para os sócios remanescentes ou para a própria sociedade, que continuará existindo e assumirá os riscos e encargos necessários à geração dos lucros projetados, sem a participação do sócio em relação ao qual a sociedade tenha se dissolvido.
O tema, apesar de aparentemente claro, demanda reiterada apreciação pelo Poder Judiciário. Recentemente, no julgamento do Recurso Especial n.º 2.063.134 – MG, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou a posição de que o Balanço de Determinação deve prevalecer como critério principal de apuração de haveres, na esteira do que já havia definido nos Recursos Especiais nº 1.892.139 – SP (julgado em 08/10/2024), 1.904.252 – RS (julgado em 22/08/2023) e 1.877.331 – SP (julgado em 13/04/2021), por se tratar da metodologia que melhor representa a situação patrimonial da empresa no momento de sua dissolução, possibilitando a apuração precisa do montante devido ao sócio retirante.
Observa-se, portanto, que os sócios, após constituída a sociedade, ficam todos umbilicalmente vinculados por meio do contrato social, que, por sua vez, deve conter todos os termos que regularão a vida societária e sua dissolução, de forma clara e objetiva, para que, não apenas atraia a necessária segurança jurídica, mas também sirva como parâmetro interpretativo para a resolução de eventuais controvérsias, como as mencionadas acima.
Por essa razão, o contrato social deve ser elaborado desconsiderando fórmulas prontas, nascedouro de conflitos, mas construído de forma colaborativa entre os sócios, refletindo a realidade societária e a verdadeira vontade dos sócios, evitando controvérsias que possam comprometer sua eficácia, gerando longas disputas judiciais e graves prejuízos à sociedade.