Desafios jurídicos e limites éticos das práticas empresariais frente à automação no Brasil: robocalls, provas de vida e a necessidade de condutas responsáveis
Desafios jurídicos e limites éticos das práticas empresariais frente à automação no Brasil: robocalls, provas de vida e a necessidade de condutas responsáveis

Desafios jurídicos e limites éticos das práticas empresariais frente à automação no Brasil: robocalls, provas de vida e a necessidade de condutas responsáveis

15/09/25

Em um mundo marcado pelo constante e acelerado avanço tecnológico, é imprescindível reconhecer que a tecnologia constitui um meio, e não um fim em si mesma, devendo sua utilização estar sempre orientada por princípios éticos, morais e jurídicos.

 

Entretanto, nem todas as empresas observam essa diretriz em suas práticas comerciais, valendo-se, muitas vezes, de recursos tecnológicos de maneira abusiva ou desproporcional, em afronta aos direitos fundamentais e aos princípios que regem as relações de consumo.

 

Um exemplo claro dessa distorção é apontado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), segundo a qual ligações indesejadas, de curta duração e relacionadas a ofertas de telemarketing, ou até mesmo a tentativas de golpe, têm se tornado cada vez mais frequentes no Brasil. Estima-se que, mensalmente, sejam realizadas cerca de 20 bilhões de chamadas, sendo metade delas efetuadas por robôs.

 

Essas chamadas, conhecidas como robocalls, consistem em ligações telefônicas automatizadas, realizadas por sistemas programados para transmitir mensagens ou coletar dados. Em muitos casos, são utilizadas para a chamada “prova de vida”, ou seja, a simples confirmação de que a linha e o titular estão ativos.

 

Com esse recurso, as empresas conseguem filtrar com maior precisão os números válidos, otimizando estratégias de marketing direcionado e reduzindo o tempo e os custos operacionais com chamadas improdutivas.

 

Todavia, a prática, quando realizada de forma abusiva, configura violação aos direitos do consumidor, especialmente no que se refere à sua privacidade, ao sossego e à dignidade.

 

Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, inciso IV, estabelece, entre os direitos básicos do consumidor, a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, bem como contra práticas comerciais coercitivas e desleais no fornecimento de produtos e serviços.

 

Assim, a conduta abusiva de contatar repetidamente o consumidor, muitas vezes em horários inconvenientes e sem o seu consentimento prévio, extrapola os limites do legítimo exercício da atividade comercial, configurando dano moral passível de reparação judicial.

 

Cumpre ressaltar, contudo, que, para o deferimento de indenização por dano moral, é imprescindível a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano sofrido pela vítima. Em outras palavras, é necessário demonstrar, de forma clara e objetiva, que o prejuízo experimentado decorreu diretamente da ação ou omissão ilícita da outra parte. Sem esse nexo causal, ainda que comprovada a existência de dano, não se pode atribuir responsabilidade civil.

 

Nesse cenário, cabe citar, como exemplo de rompimento do nexo de causalidade, recente decisão proferida em sede recursal, em processo no qual nosso escritório atuou.

 

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo afastou a responsabilidade da empresa, entendendo que as provas produzidas não foram suficientes para caracterizar abuso ou falha na prestação do serviço. A decisão reforça a importância da análise criteriosa das provas constantes nos autos e do respeito aos pressupostos legais da responsabilidade civil. Confira-se:

 

Direito do consumidor. Ligações de telemarketing. Sentença que reconheceu responsabilidade objetiva por perturbação do sossego do consumidor. Reforma. Inversão do ônus da prova que não dispensa a parte autora de demonstrar indícios mínimos de verossimilhança. Prints de tela que não identificam a origem das chamadas. Ausência de demonstração mínima de vínculo entre os números apresentados e a recorrente. Prova insuficiente para caracterizar abuso ou falha na prestação do serviço. Danos morais não configurados. Improcedência dos pedidos. Recurso provido. (Tribunal de Justiça de São Paulo, processo nº 1021659-23.2024.8.26.0482, Rel. Marco Aurelio Stradiotto de Moraes R. Sampaio, julgado em 16/06/2025, publicado em 18/06/2025)

 

Dessa forma, revela-se imperioso que as empresas adotem condutas responsáveis, em estrita conformidade com o Código de Defesa do Consumidor, assegurando que o avanço tecnológico se desenvolva em harmonia com a tutela dos direitos fundamentais dos consumidores.

Autores do Artigo

  • bruna.meirelles@brasilsalomao.com.br
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  • Sócio
    fernanda.cury@brasilsalomao.com.br
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