O debate sobre o uso do habeas corpus na Justiça do Trabalho ganhou novo fôlego com a discussão dos limites das medidas coercitivas atípicas na fase de execução, como suspensão de CNH, apreensão de passaporte e outras restrições pessoais impostas a sócios e administradores para estimular o adimplemento de créditos trabalhistas.
A efetividade executiva é um valor inegociável no processo do trabalho; porém, ela convive — e deve ser calibrada — com balizas constitucionais que protegem a liberdade de locomoção. O art. 5º, LXVIII, da Constituição assegura o habeas corpus contra ilegalidade ou abuso de poder, e o art. 5º, XV, tutela o direito de ir e vir.
Em complemento, a Súmula Vinculante 25 do STF veda a prisão civil do depositário infiel, reafirmando que coerções pessoais não podem ser atalhos para satisfação de dívida. No plano infraconstitucional, o art. 139, IV, do CPC autoriza medidas executivas atípicas, aplicáveis subsidiariamente ao processo do trabalho (CLT, art. 769; CPC, art. 15), desde que indispensáveis, adequadas e proporcionais, com fundamentação concreta e respeito ao princípio da menor onerosidade (CPC, art. 805). Esse desenho impõe um dever de motivação robusta ao julgador e exige demonstração de utilidade da medida, esgotamento prévio ou ineficácia dos meios patrimoniais típicos e correlação entre a restrição e a satisfação do crédito, sob pena de constrangimento ilegal sanável por habeas corpus.
Nesse exato ponto, a orientação jurisprudencial consolidada no âmbito do TST é especialmente relevante, havendo reconhecido o cabimento do habeas corpus na Justiça do Trabalho, quando a decisão judicial importar ameaça ou coação ilegal à liberdade de locomoção, admitindo sua utilização de forma excepcional para estancar restrições pessoais desproporcionais ou desfundamentadas.
Ao mesmo tempo, a Súmula 691 do STF estabelece um freio processual importante: em regra, não compete ao Supremo conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão monocrática de relator que indeferiu liminar em habeas corpus requerido a tribunal superior, o que reforça a necessidade de estratégia processual adequada na instância própria (como o pedido de reconsideração ao relator, o agravo interno ao colegiado competente ou a renovação do pedido no tribunal hierarquicamente apropriado). Em termos práticos, a conjugação da OJ 156 com a Súmula 691 preserva o espaço do habeas corpus para afastar constrangimentos atuais à liberdade, mas desencoraja seu uso como substituto recursal generalizado ou atalho para suprimir instâncias.
Também importa destacar que restrições pessoais a gestores pressupõem o devido processo legal para eventual responsabilização, inclusive com a instauração formal do incidente de desconsideração da personalidade jurídica quando cabível (CLT, art. 855-A; CPC, arts. 133 a 137), garantindo contraditório e prova de atos que justifiquem a medida.
Em síntese, o norte que se firmou é claro: a busca pela efetividade executiva não pode transpor o núcleo essencial de direitos fundamentais, e medidas que afetem mobilidade e dignidade pessoal exigem cautela redobrada, motivação específica e demonstração de adequação ao caso concreto.
Como as empresas devem se preparar e reagir
A prevenção segue sendo a melhor estratégia para evitar medidas excessivas e litígios prolongados. Programas de compliance trabalhista, governança do passivo e auditorias periódicas, aliados a uma postura colaborativa no cumprimento de ordens judiciais, reduzem significativamente o risco de sanções processuais gravosas.
Na execução, oferecer garantias idôneas e tempestivas — como seguro garantia judicial ou fiança bancária, equiparados a dinheiro para fins de substituição da penhora (CPC, art. 835, § 2º) —, manter atualizados os dados para diligências e negociar planos de pagamento realistas são movimentos que demonstram boa-fé e podem tornar desnecessárias restrições pessoais.
Diante de risco concreto de suspensão de CNH ou apreensão de passaporte, é decisivo organizar um dossiê probatório que evidencie a desproporcionalidade e a inutilidade da medida no caso específico, apontando a cooperação efetiva na execução, a existência de meios patrimoniais em curso e o impacto da restrição sobre atividades essenciais ou deslocamentos profissionais, sem ganho real para a satisfação do crédito.
Se a restrição pessoal já foi decretada, a resposta jurídica deve ser célere e técnica: a impugnação precisa demonstrar a ausência de fundamentação específica, a falta de subsidiariedade e a desconexão entre a medida e sua utilidade executiva, propondo alternativas menos gravosas; havendo ameaça atual à liberdade de locomoção, o habeas corpus pode ser manejado para sustar o constrangimento, à luz da OJ nº 156 da SBDI-II, observando-se as cautelas de competência e de instância sinalizadas pela Súmula 691 do STF.
Em paralelo, questões eminentemente patrimoniais e de legalidade estrita da execução tendem a ser enfrentadas por meios próprios, como o agravo de petição ou o mandado de segurança, evitando-se a banalização do habeas corpus e fortalecendo a estratégia processual.