STF redefine o regime de responsabilidade civil das plataformas digitais por conteúdos de terceiros
Recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.037.396/SC, com repercussão geral reconhecida (Tema 987), fixando nova tese sobre a responsabilidade civil dos provedores de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros. Por maioria, a Corte negou provimento ao recurso extraordinário e declarou a inconstitucionalidade parcial e progressiva do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), redimensionando o equilíbrio entre liberdade de expressão, proteção de direitos fundamentais e preservação da ordem democrática. Apesar do acórdão ainda não ter sido publicado, a tese já consolidada representa uma inflexão no regime jurídico vigente desde 2014.
Antes do Marco Civil da Internet, o Brasil adotava um modelo em que os provedores podiam ser responsabilizados caso, após notificação extrajudicial, não removessem conteúdo ilícito. Com o artigo 19 do MCI, esse cenário foi modificado ao condicionar a responsabilidade civil das plataformas ao descumprimento de ordem judicial específica de remoção, mecanismo que buscava preservar a liberdade de expressão e evitar censura privada preventiva.
O STF, contudo, entendeu que tal regra geral gera omissão parcial, pois não oferece proteção suficiente a bens jurídicos constitucionais de alta relevância, como a dignidade humana e a própria democracia. Assim, o Tribunal passou a adotar uma interpretação conforme a Constituição, determinando hipóteses específicas em que o provedor pode ser responsabilizado independentemente de ordem judicial prévia.
De acordo com a tese fixada, os provedores de aplicações de internet estarão sujeitos à responsabilização civil nos termos do art. 21 do MCI, por danos decorrentes de conteúdo ilícito, inclusive em casos de contas inautênticas.
O STF manteve a exigência de ordem judicial para crimes contra a honra, mas reconheceu a possibilidade de remoção mediante notificação extrajudicial. Em casos de replicação sucessiva de conteúdo já declarado ofensivo por decisão judicial, todas as plataformas deverão remover automaticamente publicações idênticas, sem necessidade de nova decisão judicial. Além disso, o Tribunal estabeleceu presunção de responsabilidade dos provedores em duas hipóteses específicas:
(a) quando houver anúncios ou impulsionamentos pagos de conteúdos ilícitos;
(b) quando houver disseminação por meio de redes artificiais (robôs ou chatbots).
Nessas situações, a responsabilização independe de notificação prévia, salvo se o provedor demonstrar ter atuado com diligência e em tempo razoável para tornar o conteúdo indisponível.
O STF também introduziu um dever reforçado de cuidado nas hipóteses de circulação massiva de conteúdos ilícitos graves, como:
(a) atos antidemocráticos;
(b) terrorismo e atos preparatórios;
(c) induzimento ao suicídio ou automutilação;
(d) discurso de ódio e discriminação; e
(e) crimes praticados contra a mulher, pornografia infantil, crimes sexuais contra vulneráveis e tráfico de pessoas.
A omissão diante desses conteúdos configura “falha sistêmica”, imputável ao provedor que não adotar medidas de prevenção e remoção adequadas, conforme o estado da técnica e os padrões de diligência esperados.
Ainda, o STF destacou que:
(a) provedores de e-mail, serviços de videoconferência e mensageria privada continuam sujeitos ao regime do art. 19 do MCI, em respeito ao sigilo das comunicações; e
(b) Marketplaces responderão civilmente conforme o Código de Defesa do Consumidor.
Com essa decisão, as plataformas digitais precisarão revisar e aprimorar suas políticas, além de criar ou melhorar canais de comunicação para que haja mais eficiência no recebimento e processamento das notificações extrajudiciais. Além disso, o STF reforçou a necessidade das plataformas possuírem representação jurídica no Brasil para atender às determinações judiciais.