A tributação dos lucros existentes até 31/12/2025 no projeto de Lei 1087/2025
Apesar dos burburinhos sobre a volta da tributação dos dividendos, afastada normativamente desde 1996, a aprovação praticamente “instantânea” do Projeto de Lei 1087/2025, que impõe a nova tributação mínima do Imposto de Renda para Pessoas Físicas com altas rendas, surpreendeu. E com essa surpresa, estamos todos atordoados com os impactos e efeitos de sua possível sanção presidencial ainda nesse ano, como pretende o legislativo.
Todavia, um alívio foi sinalizado no que tange aos lucros e dividendos relativos a resultados apurados até o ano-calendário de 2025, os quais, segundo o PL serão deduzidos da apuração da base de cálculo da tributação mínima do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas. Nem tanto, uma vez que nos termos dispostos no texto legal muitas dúvidas e incertezas estão anuviando o tema.
Nos termos da lei, a dedução poderá ser realizada para os lucros e dividendos relativos a resultados apurados até o ano-calendário de 2025, “cuja distribuição tenha sido aprovada até 31 de dezembro de 2025 pelo órgão societário competente para tal deliberação; e, desde que o pagamento, o crédito, o emprego ou a entrega: 1. ocorra nos anos-calendário de 2026, 2027 e 2028; e 2. observe os termos previstos no ato de aprovação realizado até 31 de dezembro de 2025.”.
Desta forma, os resultados apurados até o ano-calendário de 2025, que puderem ser distribuídos, precisam ser aprovados até 31/12/2025. Ora, o resultado apurado no ano-calendário 2025, precisa ser dito, pode ser gerado até o dia 31 de dezembro de 2025, às 23h59. Todos os envolvidos nos registros contábeis, financeiros e fiscais de qualquer empresa tem conhecimento e experiência de que tal resultado somente poderá ser considerado “fechado” ou “encerrado”, no melhor dos cenários, nos dez dias úteis subsequentes. Esse pode ser o primeiro gatilho de confusão e emoção que o PL causa aos interessados. De toda sorte, são apenas questões práticas e operacionais que não devem ser consideradas relevantes diante da complexidade do sistema jurídico e seu ordenamento.
Importante, então, considerar que o ordenamento jurídico é um conjunto de normas que regula toda a sociedade, mediante um sistema hierárquico e harmonizado, que inclui as normas que regulam as sociedades empresárias determinando sua constituição, organização, funcionamento e dissolução, sendo a principal o Código Civil (Lei nº 10.406/2002) e leis especiais, como a Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76).
Resta, portanto, harmonizar essas leis com a proposta do PL 1087/2025, cujos conflitos iniciais que podem ser apontados, em uma breve primeira impressão:
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- Código Civil (Lei 10.406/2002):
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“Art. 1.078. A assembléia dos sócios deve realizar-se ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes ao término do exercício social, com o objetivo de:
I – tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico;
(…)
3 o A aprovação, sem reserva, do balanço patrimonial e do de resultado econômico, salvo erro, dolo ou simulação, exonera de responsabilidade os membros da administração e, se houver, os do conselho fiscal
4 o Extingue-se em dois anos o direito de anular a aprovação a que se refere o parágrafo antecedente.”
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- Lei 6404/1976
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“Art. 132. Anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao término do exercício social, deverá haver 1 (uma) assembléia-geral para:
I – tomar as contas dos administradores, examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras;
II – deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos;
III – eleger os administradores e os membros do conselho fiscal, quando for o caso;
IV – aprovar a correção da expressão monetária do capital social (artigo 167).”
As sociedades limitadas, bem como as sociedades anônimas, principalmente, estão sujeitas a tal regra, ou seja, os sócios e acionistas possuem legalmente o prazo de 4 meses após o término do exercício social para aprovação das demonstrações financeiras e deliberação sobre a destinação dos resultados, sendo a sua distribuição uma das possibilidades.
Ressalvando que, tanto o código civil estabelece que “a distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade.” (art. 1.009), quanto a lei das sociedades anônimas, nos termos dos parágrafos 1º e 2º do artigo 201. Portanto, é requerido que o resultado ou lucro distribuível estejam adequadamente apurados e certificados para o cumprimento legal da obrigação dos administradores/sócios de sua aprovação e destinação.
As normas que regulam as sociedades reconhecem a necessidade de um prazo mínimo para conclusão das demonstrações financeiras, reconhecem a complexidade existente para tanto, e admitem tal prazo para que os administradores/sócios realizem suas adequadas avaliações e decisões.
Além disso, e de modo a afetar ainda mais gravemente o planejamento das sociedades anônimas, principalmente, a LSA impõe a obrigatoriedade do pagamento dos dividendos aprovados em até 60 dias, salvo deliberação diversa da assembleia, mas que, de todo modo, deverá ser distribuído no exercício social em que deliberado, nos termos do artigo 205, §3º da LSA.
Disso, como se pode deduzir, surge nova contradição entre a lei posta e as disposições societárias: em a companhia deliberando as distribuições até 31/12/2025, não deveria ocorrer o seu pagamento no mesmo exercício social? A pressa com que o projeto foi aprovado, conduz à interpretação ad absurdum de que, ainda que a lei tributária preveja a possibilidade de deliberações societárias de pagamento de dividendos que poderiam ocorrer até 2028 (art. 16-A, §1º, XII, alínea c, item 1), há nítido conflito de normas – pelo menos em relação às sociedades por ações – no que tange à possibilidade de prorrogação ou deliberação pelo pagamento de dividendos para além do exercício social em que ocorrer a deliberação (ou seja, o próprio exercício de 2025).
Em relação às sociedades limitadas, sua estrutura mais personalista e flexível autoriza que os sócios deliberem conforme melhor lhes convenham sobre a forma de pagamento dos lucros auferidos pela sociedade, desde que as deliberações respeitem as previsões contratuais. No entanto, as companhias abertas e fechadas ficam sujeitas às disposições previstas na LSA, de caráter imperativo, havendo menor flexibilidade.
Ocorre, portanto, que a lei coloca contra as cordas o contribuinte acionista de companhia aberta ou fechada, na medida em que prevê a possibilidade de que o pagamento “ocorra nos termos originalmente previstos no ato de aprovação”, mas estando o ato de aprovação adstrito a legislação societária cogente, que se poderia fazer, especialmente considerando sociedades que não tenham liquidez imediata para realização do pagamento dos dividendos?
Dessa interpretação podem desdobrar diversas consequências, especialmente em sociedades em que haja conflitos societários, uma vez que a declaração dos dividendos e o encerramento do exercício social em que declarados tornaria imediatamente exigível seu pagamento, permitindo que o acionista exija da companhia o seu pagamento.
Cotejando essas normas, que não são as únicas que poderiam ser consideradas, com o texto do PL 1087/2025, fica nítida a ausência de qualquer consideração em relação à uma disciplina previamente existente para apuração, aprovação e destinação de resultados pelas sociedades empresárias, sem qualquer consideração aos efeitos que tais conflitos poderão gerar.
Uma vez aprovada a destinação de resultados até 31/12/2025, nos termos do PL, como serão tratadas as alterações que ocorrerem até o encerramento oficial daquele resultado? Qual rito deverá ser adotado?
Ainda, sobre o resultado do ano-calendário 2025, a depender das condições da sociedade, tais como disponibilidades e necessidade de investimentos, a capitalização dos resultados pode ser considerada distribuição para fins da dedução da base para tributação mínima do IRPF? A capitalização poderá seguir o previsto para emprego dos resultados nos anos-calendário de 2026, 2027 e 2028? Consequentemente, como será tratada a futura redução do capital de 31/12/2025?
Nesse aspecto, importante reproduzir o texto da lei que determina a condição “desde que o pagamento, o crédito, o emprego ou a entrega: 1. ocorra nos anos-calendário de 2026, 2027 e 2028; e 2. observe os termos previstos no ato de aprovação realizado até 31 de dezembro de 2025”, ao que parece abranger a capitalização daquele resultado.
É certo que na execução dessas previsões e deliberações, as disposições contratuais, estatutárias e disposições nas atas de deliberação pela distribuição dos dividendos, bem como o preenchimento dos quóruns de aprovação e cumprimento das formalidades legais, informarão de forma sistemática a interpretação e intercomunicação entre a disposição tributária e o ordenamento societário, de modo a compatibilizá-las, quando e se o caso, sob pena de ineficácia de parte das disposições trazidas na nova lei à luz das disposições societárias, o que inaugurará uma série de novas discussões administrativas e judiciais, comprometendo a segurança jurídica no âmbito das sociedades (conquanto a lei incentive a adoção de medidas urgentes, sem o tempo necessário para sua implementação ou reflexão) e, ainda, sob a ótica tributária, dada a patente incompatibilidade entre o texto normativo tributário e o ordenamento societário vigente.
Diante das incertezas, é imperativo que todos se preparem com o melhor procedimento jurídico possível de forma a garantir a isenção dos resultados até 31/12/2025, bem como o planejamento de estruturas que possam minimizar o impacto para os anos futuros.
Na possibilidade da publicação da Lei como está o texto do projeto, ainda em 2025, o que pode acontecer nos últimos dias do ano, é recomendável àqueles que possuem saldo de lucros, formalizar a autorização para sua distribuição visando garantir o seu direito, observando as disposições contratuais ou estatutárias de cada sociedade, o procedimento regular para realização das deliberações e, de acordo com as disposições legais cogentes, caso não haja unanimidade nas deliberações.